Ironman do Texas 2012

Por Vagner Bessa

Ontem foi prova do IM do Texas. E vou começar dizendo o seguinte: lembram quando eu disse que tinha lido tudo sobre a prova? Pois bem, quando forem fazer uma prova no exterior, desconfiem até quano alguma coisa for repetida em vários lugares da Internet.

Bem, vocês vão entender...

Como de praxe, coloquei três despertadores para tocas as 3:30 da madrugada. Sempre acordo sozinho, mas melhor não arriscar.

Tomei um café muito leve, com pão e mantega de amendoim. Eu sei que tem gente que diz que come macarrão antes da prova para garantir um estoque de carbo ainda maior. Entretanto, pelo menos no meu caso, quando vou nadar em dia competiçao no mar, volta tudo.

O clima da prova é, como se poderia esperar, ótimo! O narrador esta longe de ser esses tipos xaropes e a musica de fundo que escolheram antes da largada foi um som do AC/DC.

Eu coloquei a porcaria speedsuit, que não importa o quanto de vaselina eu use, sempre me detona o pescoço - não vou falar a marca, mas que da vontade de começar a falar sobre isso, dá!

O Rodrigo pediu para fica na frente e aberto. Como a natação tem inicio dentro da água ( e, nossa, que água quente!) me posicionei bem na frente - tanto que cheguei a ter medo de ser atropelado.

Dada a largada, sai forte e claro que tomei muito tapa, principalmente nas pernas. Só que, poxa, sabe que não foi muito diferente de ter largado no meio, mais atrás? De um jeito ou de outro, gente apanha de qualquer jeito mesmo!

Eu só não me conformo com o fato de que eu nunca dei "bulacha" em ninguém. Eu olho em volta a cada respiração e se tiver alguém colado, encurto o braço.

Difícil isso?

Rapidamente as pessoas foram encontrando espaço e a natação se desenvolveu mais tranqüilamente. Tudo que tinha que ser feio era nadar reto até o fundo do lago, voltar, entrar em canal e terminar aí - tudo otimamente sinalizado com bóias (o que me faz questionar também o motivo das pessoas pararem de nadar para acertarem o caminho, já tudo que precisam fazer é nadar reto!)

Depois de um começo forte, entrei em velocidade de cruzeiro. Mas no Iron a natação é tão longa que percebi que tenho problemas de concentração - me peguei pensando que o Pink Floyd poderia voltar a tocar ou quem tinha sido eliminado no American Idol nessa semana...;-)))

Para evitar isso, escolho alguém que esteja nadando como eu e tento acompanhar o ritmo. Serve para me deixar ligado e forma uma referencia de posicionamento dentro da água.

Isso da certo"médio", pois sempre entra alguém no meio e bagunça tudo.

Como tinha dito, a entrada no canal, que é pequeno, mas limpissimo, embolou as coisas porque compactou todo mundo. Me virei do jeito que pude e fiz uma natação com o tempo alto, na casa de 1:22. Mas acho que, sem wetsuit, acho que é isso mesmo, sabe? Nadar lugares sem correnteza, contra ou a favor, não deixa vc mascarar o jeito que você nada. No IM do Brasil, as pessoas estão um tanto que expostas ao mar e para a maioria o desempenho lá vai depender disso.

Mas sai da água sem olhar o tempo - e sem chip também. Mesmo tendo colocado um alfinete para reforçar o velcro, na pancadaria o dito cujo foi embora. Eu não tinha visto, mas a organização da prova, sim. Em três palitos eles me deram um chip novo. Bacana a agilidade.

Sai para pedalar com um monte de bike na ainda transição, mas obviamente isso nunca é uma boa medida do desempenho na água, como depois a gente vê.

Peguei capacete e sapatilha (lá é proibido deixar a sapatilha clivada no pedal) e logo no inicio percebi que tinha feito o reconhecimento no lugar errado. Mas foi muito melhor do que eu tinha imaginado. O piso é de concreto e relativamente plano ou em descida. É como se vc tivesse pedalando em um rolo de forma bem macia, mas também muito rápido. Vou chutar aqui um pouco, mas acho que nos primeiros 40k você faz 42km/hora sem esforço.

Sério.

Mas tinham dito que no IM do Texas o ciclismo é plano e muito rápido, né? Que o problema é a corrida, né? Muito calor e umidade, né?

Bullshit!!!!!!!

Quando vc sai dessa área mais urbana e começa a entrar na área rural, o piso muda para asfalto com cascalho. Vocês já viram? O cascalho não é solto, mas fica misturado com piche.

Nesse ponto o trafego aumenta e, sim, há carros e caminhos que checam a invadir a faixa de rolamento para as bifes. A gente reclama aqui, mas é bom dizer que lá também rola esse tipo de coisa.

Começa o vento, mas logo se entra em área de bosque. Linda para olhar, mas para o pedal tá longe de ser molezinha. Seja porque o piso é ruim, seja porque começa a ter um sobe e desce que quebra sua velocidade. Consequentemente, há sempre um esforço de retomada que vai te drenando aos poucos.

Aí você sai e vai encontrar novamente o asfalto com cascalho em grandes longões. E começa o vento.

Esqueça a sua noção de vento amigo!

O pior vento que já peguei foi o do 70.3 de Miami, que basicamente foi quase todo lateral.

No IM do Texas você pedala com um vento lateral absurdo, tão ou mais forte que o de Miami. Mas olha só o que acontece.

Suponha que seja um vento lateral "noroeste" da direita para a esquerda. Aí, lááááá na frente, você entra em uma estrada e vai ter que dobrar justamente á direita, indo contra o vento.

É inacreditável o número de vezes que isso ocorre!!!!

E as estradas são aqueles longos retões com sobe e...sobe! E o piso é aquele lá, de asfalto e cascalho. De repente vc entra na área das fazendas e vê aquele cenário desolador de filme americano.

E o vento contra! Sem exagero, vc chega a pensar que os caras bolaram o trajeto da prova pra que o vento sempre ficasse sempre desse jeito!

Nesse sentido é completamente diferente de Floripa. Apesar de haver vento também fora da orla, a gente sabe que a coisa pega mesmo ali, naquela área dos túneis. Mas o vento ora te segura, ora te empurra.

No Texas, não. Você tá de frente com a ventania todo o tempo. E não tem p@&#*a de percurso plano tal como te venderam, não....(rsrs)

Quando termina esse asfalto ruim, o desgaste já te deixa mais fraco e o sol a pino começa a te desidratar. E não tem porcaria nenhuma que vc beba que segure a onda.

E também começa a bater um cert receio de vc comer algo com aquele calor e te dar algum revertério. Acho que a ultima coisa que a gente quer nessas horas é ter problemas de estômago.

Só sei o seguinte. Quando olhei no relógio para tentar me alimentar, eu tinha feito 3:15 e já tinha quebrado. Mesmo quando voltamos para o trecho urbano, que é maravilhoso para pedalar, eu não conseguia mais fazer forca.

Como eu pedi para furar um pneu ou coisa do gênero!!! Uma rampa pra mim dava vontade de descer da bike e empurrar.

No finalizando, que tinham me falado que era uma descida, eu pensei em desmanchar novamente. Mas não tinha força para isso.

E cadê a área de transição? Não chegava nunca!! Psicologicamente aquele pedal tinha acabado com a prova.

Fiz uma transição demorada porque fiquei ingerindo liquido, tentando me recompor. Então sai para fazer a parte que mais gosto! A estratégia do Rodrigo era andar nos postos e correr entre eles. Só que logo no primeiro eu parei e fiquei minutos, horas, dias tomando hidrólito.

Meu estômago comecou a ficar estufado e a musculatura do abdômen estava muito enrijecida, começando a doer.

Quando eu corria, piorava. Para passar, eu tinha que beber mais, só que isso agravava ainda mais aqueles sintomas. Eu sentia uma "sede infinita".

O abdômen só fazia por piorar e tentei colocar gelo. Inútil.

Algo sólido? Nem gel. Pensei, como iria encarar uma maratona sem poder comer nada?

Comecei a andar e fiquei na expectativa de tentar correr novamente. Mas aí a minha mente me bloqueava.

No fundo, eu tinha colapsado.

E só de pensar em andar 42k era devastador.

Comecei a chorar e me perguntava porque aquilo tinha que ser desse jeito.

Tentava trotar. Parava dez metros depois. Tentava correr devagarinho embalado por alguém, mas nada funcionava.

Meu corpo não funcionava.

Depois de umas quatro horas de caminhada melhorei, mas a musculatura da perna estava fria e doía. De tanto tomar bebida com gelo minha garganta começou a doer e tive que procurar algo morno para tomar nos postos de hidratação.

Aí, naquele turbilhão de coisas que passou pela minha cabeça, entre desistir e ir até o fim, pensei que eu tinha que terminar.

Mas não era por uma questão de "superação", esse blá, blá, blá genérico. Eu tinha razões concretas para ir até fim.

Primeiro, e antes de tudo, porque achar que fazer um Iron andando "não vale" ou "não é a mesma coisa" é arrogante e desrespeita centenas de amadores que fazem um Iron dentro das suas possibilidades. Eu sou um amador e não me julgo a ultima bolacha do pacote para achar que "ah, se é para fazer assim, melhor pegar um avião e ir para casa".

O segundo é que que eu merecia a medalha, senão pelo esforço de fazer 14 horas de prova, pelo fato de ter me dedicado demais aos treinos todos os dias nesses ultimos meses. Isso não conta?

Por ultimo, não queria chegar no Brasil com um monte de tralha do Iron porque eu tive dinheiro para comprar. Eu queria ter o uniforme oficial do IM do Texas porque tinha feito a prova.

Obviamente, tudo isso foi muito doloroso. As vezes eu pensava que alguém poderia estar acompanhando pela Internet vendo que decepção toda era aquela. Eu que sempre conseguia evoluir de ano para ano, tinha as melhores perspectivas em 2012, agora estava caminhando entre os postos de hidratação.

E, antes que o Ulisses me pergunte (rsrs), não vi pelotão na prova inteira! Você olhava na estrada e via uma fila indiana de quilometros. Andei com um grupo dentro do bosque, que se formou ali porque o pedal ficou lento e a estrada era estreita. Mas nem era possivel tirar qualquer vantagem do vacuo naquele trecho. Acabou, cada um seguiu o seu caminho.

E outra coisa me deixou de queijo caído. Na corrida, tem apenas um ponto de marcação. Todos respeitam os pontos de retorno e não tem pulseira contando primeira e segunda voltas. Eu ventava terminando a terceira volta e varias pessoas indo para a segunda exaustas. Parece inimaginável que alguém possa roubar uma volta e, portanto, "fiscalização" é uma coisa que carece de sentido aqui.

Bem, na chegada, você passa por um corredor largo e as pessoas do lado de fora te estendem a mão como se estivessem ali desde de o momento em que passou o primeiro colocado, apenas para te cumprimentar. Ainda com as pernas frias consegui trotar e entrar no clima da chegada. Eu e um mexicano, que deu um espetáculo a parte pulando junto a cerca para bater na mão de todas as pessoas que estavam acompanhando.

Foi contagiante demais. Uma cena inesquecível.

Vendo aquele sentimento de felicidade bruta, me senti com vergonha de estar sofrendo pelo que aconteceu e não me estar feliz de estar cruzando o pórtico.

A alegria daquele rapaz me redimiu. E me salvou...

Quem estava nos aguardando era a Chrissie. Ela colocou a medalha em mim, eu disse "muito obrigado" em português, ao que ela retribuiu segurando firme meu rosto e me dando dois beijos.

Posso garantir que, comigo e com todos, não foi protocolar. A gente sabe quando um gesto é apenas formal.

Quando cheguei no hotel e havia 327 posts no Ironbrothers. Todos acompanhando a minha prova aqui. Me senti uma celebridade em meio aquele grupo de triatletas e, principalmente, de amigos.

Foi um dia muito duro, certamente o mais duro desde do momento em que comecei o triathlon.

Talvez essa "surra" tenha acontecido para que eu voltasse a origem, aos valores que eu, na intenção de querer sempre mais ano após ano, me esqueci.

Reaprender a ouvir com a devida atencao e cuidado "Você é um Ironman" foi o grande significado que levo desse Iron.

2 comentários:

simplifique disse...

Essa historia do Bessa é sensacional. Caminhar a maratona inteira é para poucos.

3 ATHLON NA VEIA disse...

Cada Iron é diferente do anterior...pelo visto se o Bessa superou esse, supera qualquer outro...rsrsrs